O que ninguém nunca disse

Ela sempre escrevia. Sempre escreveu em todos os momentos, mas para ele, nunca. Para todos escrevia no fim, nos últimos momentos, nos suspiros finais, quando sabia que a morte estava próxima, mas para ele teria de ser diferente.

Ele era o recorde dela. Ela, o dele. Nunca ninguém a tinha entendido tão bem, aceitado seus jeitos, suas manias, loucuras sem limite… Apenas ele. E ela nunca havia dito. Ele precisava saber em vida.

Mas como dizer que ela é apaixonada por ele cantando? Ou quão bonito é o momento em que os corpos dos dois estão juntos, duas cores, dois tons, duas almas? Seria estúpido tentar explicar a mágica dele tentando entender suas teorias enquanto ela fala bêbada alguma ideia maluca…

É só ele que joga na cara dela os defeitos, é só ele que fica puto porque ela dorme no meio de uma conversa, alcoolizada, cansada. Ele é o único que não mede as palavras, ele diz tudo, de uma forma tão dele, que nem chega a machucar, apenas coloca de volta no caminho.

Ela queria muito que ele soubesse a falta que faz nos dias frios, com seu abraço quente. E nos dias quentes, deitado distante, apenas com a mão nas costas dela. O barulho da TV enquanto ela dorme e ele assiste. Os passos leves no quarto para que ela não acorde. Os carinhos, a forma de acordá-la, os apelidos de criança… Como dizer tudo isso?

Toda a força que ela dá a ela – mesmo sem saber -, todo o apoio, o empenho. Como demonstrar que cada pequeno pedaço dele está total e diretamente ligado à ela? Seria impossível deixar claro que apenas o ato dele abrir mão da carona pra ela poder dormir umas horas a mais é prova de amor!

Ela pensou, tentou, escreveu, desenhou, pintou. Mas não dava. Era coisa demais, sentimento demais, calor, carinho, amizade… Era tudo, e não era possível traduzir. O espaço era pequeno demais pra tanto. Então ela não disse. Mas ele sabia que.

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